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Mestre Moraes - A Consolidação de um dos Melhores Jogadores do Mundo


Marcelo Souza
A palavra “mestre” tem muitas definições, mesmo no dicionário, são dezenas: pessoa que ensina; o que é o mais importante; indivíduo que exerce um ofício por sua conta; pessoa que domina muito bem uma profissão, uma arte, uma atividade; e assim vai. No xadrez, o título de mestre vem acompanhado da palavra “Grão” ou “Grande”. Fazer parte do seleto grupo de Grandes Mestres (GM) é tarefa extremamente díficil. No Brasil, segundo a Federação Internacional de Xadrez, existem apenas 11 GMs ativos. No entanto, no poker, a conotação de mestre foi um pouco banalizada.

É comum que em uma roda de amigos um se refira ao outro como “mestre”— em sinal de respeito, é verdade, mas a palavra perdeu sentido. Não para alguns jogadores.
 
Alcançar o status de mestre do poker é ainda mais difícil que no xadrez. O termo é muito mais subjetivo. Não existe pontuação. Não existe mensuração. Ser um mestre do poker não significa apenas dominar o jogo, mas é tornar o substantivo em adjetivo. É se tornar a personificação da palavra. É passar o conhecimento e seguir se aprimorando. É ensinar não apenas através de fórmulas matemáticas, mas com atitudes, ética e respeita ao próximo. Rafael Moraes não alcançou o sonho de se tornar um GM no xadrez, mas por um bom motivo: se tornar um Mestre no poker.
 
Marcelo Souza: Por que o nick “GM_Valter”?
 
Rafael Moraes: Esta história tem duas partes. Quando eu comecei a jogar poker, eu era menor de idade e apaixonado por xadrez. Jogava muitos torneios, quase que profissionalmente, daí vem o GM. E na época era um sonho. Se hoje a maioria das crianças quer se tornar um Neymar, na época, o que eu queria era ser GM. Já o Valter é porque eu fiz a conta no nome do meu pai. Aí ficou “GM_Valter”. Depois de dois anos, já maior de idade, liguei para o PokerStars e expliquei a situação. 
 
MS: E como foi o seu primeiro contato com o poker?
 
RM: Foi em um torneio de xadrez. Teve uma época que muitos jogadores de xadrez começaram a jogar porque ambos pedem características bem semelhantes: disciplina, foco, controle de ansiedade, preparação, estudo e paciência para ficar dez horas sentado numa mesa. Eu já conhecia um pouco das regras e ao final de um desses eventos, juntamos dez pessoas e usamos as peças como fichas: Rei valia 500, Rainha 100, Peão 10 etc. O buy-in foi de 10 reais e eu ganhei. Aí o jogo me pegou (risos).
 
MS: Você é um dos membros mais antigos do 4Bet, hoje também sócio, como foi a entrada para o time e, consequentemente, a profissionalização? 
 
RM: Eu já conhecia o PokerStars e por influência de dois grandes amigos, o Thiago Crema, meu sócio e que está comigo desde sempre, e o Krikor, que se tornou Grão Mestre, comecei a jogar torneios baratos, sempre com eles. E a gente sempre dividia as premiações por três. Um belo dia cravei um torneio de $55 e ganhei 20 mil dólares. Eu tinha acabado de passar em uma das melhores faculdades do Brasil, a USP, para Engenharia, e agora? Meu pai é engenheiro, sempre trabalhei com ele, adorava tudo que envolvia a profissão. Meu pai já sabia que eu estava indo bem no poker. Eu tinha comprado um carro, ajudava em casa, mas até aquele momento eu ainda estava na faculdade. Quando resolvi sair, fui falar com meus pais. Meu pai sempre foi um grande exemplo para mim e sempre me apoiou em tudo, com o poker não foi diferente. Lembro-me bem das palavras dele: “Ó Rafael, tudo bem. Só que eu quero saber como que isso funciona. Você vai fazer o seguinte: compra um livro de poker que eu vou ler. Você tira as minhas dúvidas e a gente vê qual é a desse poker”.  Ele devorou o livro de um dia para o outro e me disse: “Olha, filho, estou com você. Acredito que você possa se dar bem nisso. Você é um cara inteligente, dedicado e muito novo. Se der errado, você volta para a faculdade e pronto”. E foi nesse ponto que entrei para o 4Bet e fui para a Poker Vila.
 
MS: E depois de ler o livro, seu pai resolveu se arriscar nos feltros?
 
RM: Sim (risos). Até hoje ele joga, usa o nick “GM_Moraes”. Ele gosta, entende, arrisca uns tiros nas mesas de NL5, NL2 e sempre me acompanha quando pode, principalmente nas retas de domingo.
 
MS: A Poker Vila foi um dos projetos mais marcantes da história o poker brasileiro, pioneiro no quesito QG de poker. O que você poderia falar sobre?
 
RM: A Poker Vila foi o diferencial pra mim. Tirei o máximo que ela poderia me dar. Eu respirei poker mais do que nunca. Hoje, como sócio do 4Bet, dou muitas aulas, tenho muitas responsabilidades e, às vezes, o lado jogador acaba ficando de lado. Lá, eu era 100% jogador. Foi essencial para minha formação como jogador. Morar em um ambiente outros sete jogadores que eu gostava foi único. E ela me ajudou também muito no âmbito profissional. Quando eu fui pra Poker Vila, eu tinha 19 anos e era moleque. Foi algo extremamente importante para o meu amadurecimento. Eu aprendi o que era ser profissional e eu entendi o que era a profissão poker.
 
MS: Você chegou a um nível em que há nada ou quase pouco para se aprender no Brasil. Quando se atinge esse patamar, como seguir evoluindo?
 
RM: Você conseguir conteúdo no Brasil é bem complicado. Acredito que o 4Bet está hoje no topo em relação a conhecimento. O negócio então é buscar “ajuda” fora. Estamos sempre buscando bons coachings, mas é muito complicado. Para o que queremos, ou o cara cobra muito cara ou não tem interesse em passar conhecimento. No começo, a sua evolução é bizarra, você aprende as aplicações de SPR, floating, 3-bet light e seu aprendizado dá um salto. Mas em um determinado ponto, é preciso corrigir apenas detalhes, então é preciso muito cuidado para não estagnar. A curva de aprendizado, no começo, ela é ascendente. Depois, tende a ficar reta ou cair. Ainda bem que tenho dois monstros do poker ao meu lado para discutir mãos a todo tempo, o Will Arruda e Thiago Crema. Com eles, a cada dia aprendo alguma coisa nova.
 
MS: Com quais jogadores de renome internacional vocês, do 4Bet, já fizeram coaching?
 
RM: Bom, para citar dois caras muitos bons, posso falar do Mike “Times” McDonald, campeão de EPT; e do Galen Hall, campeão do PCA em 2011.
 
 
MS: E tem algum profissional inacessível ou que vocês já foram atrás e não conseguiram?
 
RM: Na verdade, sim. Um é praticamente impossível, simplesmente porque o cara não dá coaching. O outro já procuramos, mas a hora/aula custa mais de US$ 1.500. O primeiro é o Daniel Negreanu. Ele é sinistro. Joguei na mesa dele no high roller do EPT o tempo inteiro e ele é realmente é diferente. Ao vivo, o feltro é a segunda casa dele. O quão confortável ele joga é impressionante. Ele é meu grande ídolo no poker e não é o cara que mais ganhou dinheiro em torneios por acaso. 
O outro é o Isaac Haxton. Ele sempre foi uma grande referência pra mim. Sempre venceu nos cash games mais caros de Omaha e hold’em, joga em alto nível todos torneios high stakes, ao vivo e online. Ele é extremamente técnico. Atualmente, é o cara com quem eu mais queria de ter um coaching.
 
MS: Para alguém que estudou tanto, como você, quão importante é a matemática no jogo?
 
RM: Eu sempre fui um amante da matemática e isso me ajudou muito no poker. Não acho que seja preponderante você ser um gênio da matemática. No nosso time, acho que uns 20 ou 30% não são bons em matemática, mas são ganhadores. No entanto, quando você sabe matemática, quando você entende a matemática do jogo profundamente, fica tudo muito mais fácil. Você percebe o porquê das coisas. Por que que eu tenho que pagar de A-K esse all-in? Por que eu tenho dar fold? Se eu sei que aquela jogada foi boa, mesmo tendo perdido, não tem problema pra mim, porque a matemática mostra que no longo prazo é uma decisão vencedora. Quando o jogador não entende muito bem a matemática, ele acaba se orientando pelo resultado e pode ter problemas por isso. Mas se você quer chegar ao topo, estar entre os melhores, é preciso saber matemática. O cume da pirâmide é um lugar extremamente competitivo, sem espaço para erros e pontos fracos — e não saber matemática é uma falha grave. Como eu disse, não é preponderante, mas é um dos pilares do poker.
 
MS: O melhor resultado da sua carreira veio recentemente, em um torneio de 90 mil reais no EPT. Em algum momento, você se sentiu pressionado?
 
RM: Não senti em nenhum momento. Na verdade, talvez eu tenha sentido, mas eu transformei essa pressão vontade. Sempre dizia para mim que eu sabia o que deveria ser feito. No poker, muitas vezes você perde a coragem, mas se você colocar na sua cabeça que aquela decisão é a melhor, o medo pode até continuar ali no fundo, mas a decisão correta será tomada. Eu sempre quis estar ali. Eu queria mostrar para os outros caras que eu não era só mais um e que iria continuar ali, lucrando junto com eles. 
 
MS: Houve algum jogador que você pensou assim: “Nossa, esse cara realmente é muito bom”?
 
RM: Sim, Alexandros “mexican22” Kolonias, o grego que ficou em segundo lugar no torneio. Ele joga os cash games mais caros de hold’em. Ele é muito bom. Só que ele é um daqueles bons que não atrapalham tanto. Ele não fazia muitas 3-bets, por exemplo, mas é um cara extremamente técnico, muito difícil de tirar as fichas dele. O pós-flop dele era afiadíssimo.
 
MS: E no Brasil, você poderia citar três jogadores que você considera estar acima do resto?
 
RM: Não necessariamente nesta ordem: João Simão, o Thiago Crema e o Will Arruda. O João eu conheci mais nesse último ano, a gente viajou junto e foi um cara que me surpreendeu. Eu achava que ele estava em um nível, mas na verdade ele está acima. Como ficamos juntos, ele detectou rapidamente que tinha coisas a melhorar, justamente na parte matemática do jogo. Ele tem muita gana de melhorar, além de ter criatividade. O Crema eu estou com ele desde o começo. Ele tem uma criatividade ímpar para o jogo. E ele me passou um pouco disso. Se ele não estivesse ao meu lado por todos esses anos, eu não seria completo. Não tem ninguém que estudou tanto o jogo quanto a gente, a não ser, bem, isso me leva ao terceiro nome. O Will é um cara que não joga tanto, mas quando ele joga, ele ganha. Jogou, ganhou. Ele não perde. É bizarro. Mas ele é muito mais focado em ensinar — e essa é a grande paixão dele. Não tem ninguém, no Brasil, melhor que ele nesse quesito, com certeza. 
 
MS: Qual sua opinião sobre o ego no poker? 
 
RM: Acho que ego todo mundo tem um pouquinho. Uns mais, outros menos. Mas todo mundo tem isso em se sentir bom no que faz, se sentir melhor do que o outro. Inclusive, ego para muitos é pejorativo, mas é importante ter um pouco no poker. Se você não se sentir melhor do que os outros, você não vai ter confiança para vencer o cara. Mas é preciso saber controlá-lo ou você pode acabar se tornando arrogante. Eu me policio bastante para não deixar meu ego influenciar negativamente o ambiente ao meu redor.
 
 
MS: Sua esposa, Lauriê Tournier, é uma jogadora de poker. Como é isso?
 
RM: Ela me ajuda demais, em todos os sentidos e quesitos da vida: a me tornar um profissional melhor, um homem melhor, uma pessoa melhor, um jogador mais completo. O engraçado é que foi Crema que me apresentou a Lari. Ela também jogava xadrez. E ela ser jogadora é um sonho. Debatemos muita mão e nosso crescimento é nítido. Ela é uma inspiração pra mim e, com certeza, sem ela, eu não estaria onde eu estou.
 
MS: Para finalizar, o que você poderia falar para quem está começando no poker? 
 
RM: Vou dizer o que sempre digo para os jogadores que entram para o 4Bet: O poker é uma profissão como outra qualquer. Tem as suas peculiaridades, mas assim como a de  um advogado ou um médico. Não é porque acertamos um “big hit”, que ficamos ricos. Você tem também os seus custos. Se você ganhou 20 mil em um mês, você vai viver como se seu salário fosse de 20 mil? Claro que não. É preciso ter planejamento para pagar seu buy-ins e suas despesas. Um profissional sabe planejar sua vida com seu ganho médio e não com seus “big hits”. Você, que está começando, deve fazer o mesmo.
 



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