EDIÇÃO 47 » COLUNA NACIONAL

As lições de Bert Gordon

O que um livro sobre sinuca tem a ensinar aos jogadores de poker


Pedro Nogueira

Sempre tive um certo fascínio pela sinuca. E, nos últimos tempos, um impulso súbito vem me levando a consumir um número considerável de livros sobre o jogo. Não são livros, devo notar, de técnicas ou estratégias. Tratam-se, simplesmente, de histórias que giram em torno da mesa. Apenas neste mês, li quatro. Dois de ficção, duas biografias. Assim que os terminei, encomendei outros três na Amazon.

O que posso afirmar, depois de muita leitura e pesquisa, é o seguinte: se há um autor que se destaca dos demais, ele é o americano Walter Tevis (1928-1984). É dele os romances “The Hustler” e “The Color of Money”, ambos adaptados ao cinema em ótimas produções. O primeiro, com Paul Newman no papel principal de Fast Eddie Felson, recebeu em português o título de “Desafio à Corrupção” (sabe-se lá por quê). No segundo, Tom Cruise, então aos 23 anos, juntou-se a Newman no elenco. “A Cor do Dinheiro”, aliás, foi dirigido por Martin Scorsese.

Apesar de “A Cor do Dinheiro” ter um bom enredo, não há dúvidas de que Tevis atingiu o apogeu de sua inspiração em “The Hustler”. O motivo? O personagem Bert Gordon, um empresário canalha e sem ética que, no entanto, tem um conhecimento profundo da psicologia humana. Com sua atitude arrogante, Bert está presente nos melhores diálogos do livro. Ele é um verdadeiro filósofo do jogo. Digo “jogo” porque as conclusões que Bert faz não se limitam, apenas, à sinuca – mas ao jogo numa dimensão maior. Muitos de seus conceitos se aplicam, também, ao poker.

“Sinuca não é como futebol americano. Ninguém paga você por jardas. Quando você está apostando, o placar é realmente simples. No fim do jogo, você conta o dinheiro. É assim que você descobre quem é o melhor. É o único jeito”.

Parece óbvio. Mas será que é? Já vi dezenas de jogadores aplicando jogadas incríveis na mesa de poker (seja pagando um blefe ou fazendo um outplay) e, mais tarde, deixando o jogo zerados. Muitas vezes, aliás, eu fui esse jogador. Satisfeito por praticar moves épicos e esquecendo o que realmente importa: sair da mesa com o lucro.

“Além disso, se você está apostando dinheiro, mantenha a sua cabeça limpa. Você começa a beber uísque enquanto joga e o álcool te dá uma desculpa para perder. Isso é uma coisa de que você não precisa, uma desculpa para perder”.

Depois, Bert completa:
“E ganhar, isso pode ser pesado nas suas costas. Você solta esse peso quando encontra uma desculpa. Então, tudo que você precisa fazer é aprender a sentir pena de si mesmo. É um dos melhores esportes, sentir pena. Apreciado por todos. Especialmente os perdedores natos”. A conversa acima aconteceu depois de Fast Eddie, um jovem de talento ímpar, enfrentar Minnesota Fats, então considerado o maior jogador do país. Na primeira metade do jogo, Fast Eddie dominou seu adversário completamente. Assim, provou a todos – e a si mesmo – que era o melhor. Mas, no fim da sessão, que durou mais de 20 horas, Minnesota Fats prevaleceu. Por quê? Segundo Bert, pela falta de caráter de Fast Eddie.

“Quando você está apostando uma grande quantia de dinheiro, joga mais o jogador do que as cartas. Como no poker. Todo mundo sabe jogar as odds e contar cartas – eu sabia quando tinha 15 anos. Mas o homem que ganha o jogo é aquele que busca as grandes apostas, cria coragem e tem o caráter de olhar para cinco adversários e fazer a aposta que ninguém pensou. Não é sorte. O que você pode fazer é jogar a porcentagem e, quando a aposta crítica aparecer, segurar o estômago firme e empurrar pesado”.

Bert Gordon é um dos anti-heróis mais interessantes que já encontrei na literatura. Abjeto, cruel e sem escrúpulos. Mas, ao mesmo tempo, praticante de uma filosofia de jogo perfeita. Que, se aplicada da maneira correta, pode ajudar muito na mesa de poker. Para mim, pelo menos, tem funcionado.




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