EDIÇÃO 51 » COLUNA NACIONAL

Sobre jogadores e blefes

Ao narrar uma jogada épica de Jack “Treetop” Straus, o escritor e poeta Al Alvarez conseguiu resumir em poucas linhas a alma do poker


Pedro Nogueira

Eis que, folheando um livro de poker, deparo-me com a figura de Jack Straus. Ou, como os parceiros de carteado o chamavam, “Treetop”, por seus quase dois metros de altura. Não era um nome desconhecido para mim. Nas memórias de Amarillo Slim – que ganhará uma edição em português pela Editora Raise – e em artigos de Doyle Brunson, há diversas passagens que citam Jack Straus.

Nenhuma delas, porém, despertou tanto a minha atenção quanto uma história contada pelo escritor e poeta Al Alvarez em “The Biggest Game in Town”. (O livro, não por acaso, foi uma das obras mais influentes da literatura do poker. Publicado em 1983, conta detalhes da WSOP 1981 e da vida dos jogadores profissionais em Las Vegas. Foi o primeiro livro relevante sobre o tema.)

Em “The Biggest Game in Town”, Al Alvarez afirma que a oportunidade de se blefar no poker é “tão ampla quanto as sutilezas da psicologia humana”. Para ilustrar sua tese, pega o exemplo do texano Jack Straus, o “mestre dos blefes zombeteiros” e “um homem com a reputação de ser totalmente destemido, que certa vez apostou US$ 100 mil no resultado de uma partida de basquete universitário”.

Numa mesa de high stakes, conta Alvarez, Treetop recebe as cartas sete e dois, de naipes diferentes. A pior combinação inicial do Texas Hold’em. “Mas Straus estava pegando fogo”, diz o escritor inglês, “então decide aumentar a aposta assim mesmo. Só um jogador continua na mão.”

No flop, o dealer abre as cartas 7-3-3. Assim, Straus faz dois pares de sete com três. “Ele aposta novamente”, escreve Alvarez. “Mas, assim que o faz, vê seu adversário pegando as fichas rapidamente e percebe que cometeu um erro.” Com confiança, o homem repica US$ 5 mil em cima de Treetop. Tinha um par grande, Straus deduziu.



“Naquele ponto”, continua Alvarez, “a jogada lógica seria largar a mão, uma vez que só um blefe ou um sete milagroso poderiam salva-lo. Mas Straus decide pagar, semeando a dúvida na mente do adversário.” O turn traz um dois. Mesmo acertando o segundo par de Straus, a carta não o ajuda, pois já havia uma dobra na mesa. Isso não o impediu, no entanto, de atirar US$ 18 mil – sem hesitação – no oponente.

“Enquanto o homem considerava as implicações da aposta”, relata Alvarez, “houve um longo silencia à mesa. Até que Straus, generosamente, ofereceu ao adversário uma proposta irrecusável: a de ele ver uma de suas cartas – qualquer uma que escolhesse – por modestos US$ 25.” O homem, evidentemente, aceitou. Apontou para umas das cartas de Straus que, por sua vez, abriu um dois.

E, depois de alguns momentos de reflexão, o homem larga seu par vencedor. Afinal, a proposta – teoricamente – só faria sentido se as duas cartas de Treetop fossem iguais. Com o 7-3-3-2 do bordo, Straus teria então um full house, com seu suposto par de dois. “É tudo uma simples questão de psicologia”, Straus diria mais tarde, explicando o movimento.

Se o leitor já assistiu ao filme “High Roller – A História de Stu Ungar”, de 2003, talvez tenha experimentado uma sensação de déja vu. Não é uma coincidência. No longa, um dos amigos de Stu, que atende pelo apelido de “DJ”, executa a mesmíssima jogada de Treetop. A barba alta de DJ é outra referência ao jogador texano, que morreu aos 58 anos, vítima de um ataque cardíaco durante um jogo de poker.

“No poker, como em tudo na vida, a imaginação começa onde a lógica falha”, conclui Al Alvares. “E, assim, transforma a realidade para seus próprios fins. Como Straus fez em seu blefe.” Resumir melhor a alma do poker do que isso? Impossível.





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