EDIÇÃO 9 » ESTRATÉGIAS E ANÁLISES

Metagame

Levando o pensamento para além das cartas


Leo Bello

Pouco antes de escrever este artigo, comecei a dar uma olhada nos posts do fórum brasileiro “MaisEv”. O site criado por Roberto Riccio e alguns outros amigos do Rio de Janeiro tem a interessante proposta de ser um local que fomente discussões semelhantes às que acontecem no meu fórum internacional favorito, o da “Two Plus Two”. Os participantes postam mãos que são discutidas e analisadas pelos outros membros da comunidade, e há também a troca de artigos traduzidos.

Entre os que participam mais ativamente há grandes jogadores, alguns até amigos antigos, como Ivan Royal Salute, Michel Helal, Rodolfo Lacerda, Jorge Breda, Gabriel Almeida e outros. Tem também um grupo novo bastante estudioso e muitos que não conheço.

Resolvi criar um post em que se discutia uma jogada na qual o ponto que eu queria alcançar era a abordagem psicológica de uma situação. E, de certa maneira, em um primeiro momento, fiquei decepcionado com as respostas que analisavam a jogada “street by street”, do ponto de vista da que tinha a melhor exepctativa, esquecendo da análise do contexto. Eram colocações do tipo, “pré-flop, o correto é 4-bet” ou “no flop, a melhor ação é bet e não call”, e assim por diante.

Parecia que a única análise feita era a matemática, em vez de se abordar outros aspectos do jogo. Me fez lembrar uma discussão que aconteceu mais ou menos em janeiro de 2008, entre Joe Sebok (filho do Barry Greenstein) e Isaac Haxton (jogador online que freqüenta o Twoplustwo). Haxton criticou Sebok por uma jogada em que ele aparentemente não jogou da melhor forma por não ter usado a avaliação matemática, e Sebok disse que os jogadores online se importavam demais com a matemática esquecendo que o poker é um jogo de pessoas. Independente de quem está correto nessa situação ou de quem joga melhor, é fato que muitos grandes jogadores não pensam em termos de EV e análises matemáticas e têm resultados fabulosos – até mesmo alguns jogadores online como Annete “Annete15” Obstread e Kevin “BelowAbove” Saul, além de muitos dos melhores do mundo, como Daniel Negreanu, David Pham, Johnny Chan e outros.

As análises desses jogadores ultrapassam o lado matemático e vão além. Recentemente, aconteceu uma história que ilustra isso: Kenny Tran, no WSOP, com o A na mão e um 8, deu um call gigantesco (quase todo o seu stack naquele momento) em um adversário, num board que tinha AK©8©7©J© Até aí, nada demais. O problema foi o motivo pelo qual ele executou call no river, com quatro cartas de copas no bordo e nenhuma desse naipe na mão.

Enquanto pensava se daria o call no river, Kenny disse ter reparado que o adversário havia apostado no flop como quem tem um ás. Porém, quando a terceira e depois a quarta carta de copas apareceram, o sujeito não havia olhado as próprias cartas a fim de conferir se tinha o ás desse naipe. E, no raciocínio de Kenny, esse tipo de oponente teria feito isso se estivesse com um ás vermelho. Como possuía o outro ás vermelho (o de ouros) e o oponente não olhou para conferir, Kenny chegou à conclusão de que o adversário tinha um ás preto e, portanto, ele estava ganhando a mão enquanto o adversário blefava.

Ok, você pode encontrar muitas falhas nesse raciocínio. O fato é que o cara pensando assim foi vice-campeão mundial. E essa história foi contada por ninguém menos que Daniel Negreanu. Esses jogadores estão em um nível em que pensam cada mão de uma maneira que vai além da matemática e entra na psicologia.

Para tentar encerrar o raciocínio vou explicar a situação que coloquei no fórum. Era uma seqüência de duas mãos que aconteceram no torneio de 100+9 (30K garantidos) do Poker Stars, em que acabei ficando em segundo lugar. Ainda no meio do torneio, com blinds em 400-800 e antes de 50, um jogador tight que tinha cerca de 10K em fichas, deu limp em UTG+1. O UTG+2 foi de all-in com 6.7K em fichas. Todos deram fold e a ação voltou para o UTG, que ficou pensando por um tempo e acabou dando fold e escrevendo algo no chat, como quem está contrariado por ter que fazer isso.

Na mão seguinte – e isso é importante –, exatamente na próxima mão, esse jogador, que agora estava UTG, leva um tempo pequeno pensando e dá limp novamente. O UTG+1 dá um raise de 4x o big blind. Todos dão fold e ação chega a mim, no big blind, com QQ.

Parece uma mão simples para reraise não é? Claro que sim, não há dúvidas de que todas as minhas fichas estão entrando neste pote.

No fórum, a grande maioria dos comentários foi de que o UTG era apenas um jogador weak-passive, que gosta de dar limps e vai dar fold diante de reraises, e que o raise do UTG+1 não significa muita coisa, e, portanto, o all-in era fácil.

Porém, na hora, fiz uma análise que desafiava a matemática e entrava um pouco na psicologia, conseqüentemente, no metagame. Não necessariamente esta análise está sempre correta, mas faz algum sentido pensar desta maneira.

O jogador UTG precisa ter um jogo forte nessa mão. Eu o coloco pelo menos em AK, mas pode até mesmo ser um JJ ou TT. Contudo, não acho que seja AA ou KK. O motivo?

Psicologicamente, esse cara tinha que estar com jogo na mão, e forte.

Após um reraise como o que ele tomou na mão anterior, normalmente acontece uma de duas coisas com o jogador:

1- ele fica “tiltado” e aumenta com a próxima mão, seja ela forte ou não.
2- ele fica tímido para tentar outro limp e sossega por algumas mãos, largando até aquelas em que ele normalmente faria isso.

Contrariamente ao que a psicologia parece dizer, ele não faz nem um nem outro e dá limp de novo.
Simplesmente não me parece lógico. Dessa maneira, cheguei à conclusão de que, para ele dar limp novamente, sobretudo com a pequena pausa, é porque tinha muito jogo e queria tomar um raise para ir de all-in.

PokerStars No-Limit Hold'em Tourney,
Big Blind is t400 (9 handed)
Poker-Stars Converter Tool from
FlopTurnRiver.com (Format: FlopTurnRiver)
saw flop|saw showdown
UTG+1 (t10760)
MP1 (t7365)
MP2 (t9660)
MP3 (t10115)
CO (t16691)
Button (t14699)
SB (t27035)
Hero (t7592)
UTG (t8823)
Preflop: Hero is BB with Q , Q . 
1 fold, UTG+1 calls t400, MP1 raises to t1250,
5 folds, Hero raises to t5200, UTG+1 raises to t9175,
MP1 folds, Hero calls t2367 (All-In)
Flop: (t18142) 6 , 3 , J  (2 players, 1 all-in)
Turn: (t18142) 4  (2 players, 1 all-in)
River: (t18142) 3  (2 players, 1 all-in)
Final Pot: t16534
 
Adversário tinha AK©Em resumo, a jogada não mudaria muito, mas eu tinha certeza de que o jogador UTG tinha um grande jogo, e eu sabia que dando o reraise com QQ correria o risco entrar em uma race.

A mensagem que fica é a de que devemos sempre procurar outras ferramentas, além da simples análise matemática, para entender as ações dos adversários. Os melhores jogadores do mundo são experts em compreender os motivos por trás das apostas e assim pegar adversários blefando ou largando mãos quando percebem que o oponente está mais forte.

E parabéns à galera do “MaisEV” (www.maisev.com). Belo fórum, ótimos posts. Futuros campeões estão por lá.




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